segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Finais não definidos

Ele me olhava enquanto me fazia cafuné.

- Você é linda.

Sorri. Não porque concordava, mas simplesmente porque não tinha o que responder.

- Você é linda, mesmo.
- É, um filósofo acabou de me dizer isso...

Me aconcheguei mais no seu colo, de forma que ele entendesse que o silêncio estava agradável.

- Você é muito apaixonável.
- Oi?
- É, apaixonável. É muito fácil as pessoas se apaixonarem por você.

Ele citou os motivos fofos e meigos pelos quais me considerava apaixonável. Quando acabou, sugeri que fossemos embora.

- Vamos fazer alguma coisa amanhã?
- Ah... pode ser.
- Eu te ligo umas seis, tudo bem?
- Não, Cá... eu te ligo, é melhor.

E eu não liguei. Não dei notícias, não atendi o celular ou respondi as mensagens. Estava claro para mim que estávamos em sintonias diferentes. Ele não era mais o cabeludo que eu conheci no meio da rua. Agora ele tinha nome, sobrenome, profissão e me enaltecia.
Enaltecimento que eu não estava pronta para corresponder.
Talvez ele tenha querido ser fofo, talvez ele tenha achado que eu gostaria de ouvir tais coisas... Não sei, não quis descobrir. Preferi a alternativa mais fácil: não vê-lo mais.

Agindo dessa forma, acabei me tornando aquela pessoa que nunca quis ser. Aquela pessoa que desencana e some. Sem notícias, sem esclarecimentos... nada. Simplesmente desapareci.
Embora tenha consciência do motivo pelo qual eu sumi, ele não sabe. Houve a inversão do papel que eu ocupava atualmente: o pequeno desencanou, sem explicação; agora, eu quem desencanava, e quem ficou sem explicação foi o cabeludo.

Confesso que quando me vi ocupando aquele espaço que não era meu, me senti mal. Logo eu, que tento ser tão sincera e jogar limpo com todos, não estava fazendo isso.
Em outro momento da minha vida, eu certamente me derreteria por tudo que ele me disse. Teria virado água, dado cambalhota e continuaria a vê-lo por valorizar o que ele havia me dito. Até tentaria me forçar a gostar dele. Pouco tempo depois, eu perceberia que não estava dando certo e começaria um "distanciamento progressivo", mas de maneira que pudesse contatá-lo no futuro caso estivesse com vontade de vê-lo (leia-se: carente).

Acontece que minha nova atitude me fez pensar. Eu fui sincera quando iludi ao outro porque gostava do que ele sentia por mim? Eu fui sincera quando desapareci sem dar notícias?
Em ambos os casos a resposta é negativa.
Se na primeira situação eu só pensei em mim e agi movida pela necessidade de afeto, na segunda eu novamente só pensei no meu bem estar e preferi não tentar entender o que aconteceu. Nos dois casos, alguém se magoou. Nos dois casos, alguém ficou sem explicação. E, nos dois casos, quem passou por tudo isso não foi eu.

Não é meu egocentrismo exacerbado que me incomoda. O que mexe comigo é o tamanho da minha hipocrisia em exigir sinceridade do outro quando eu não agi dessa maneira.
Como querer uma satisfação do pequeno pelo seu sumiço se eu não fiz isso para o cabeludo?
Embora eu tenha tido uma visão diferente da situação agindo assim, não é meu direito esperar uma resposta diferente do pequeno se me comportei igual a ele. Querendo ou não, é necessário que pensemos em nossas experiências de vida antes de fazer algo que pode prejudicar ao outro. Pena eu não ter descoberto isso antes de ter mordido o cabeludo e tê-lo mandado passear.

(Em tempo: algumas semanas depois, resolvi ligar para o cabeludo para me sentir melhor. Ele te atendeu? A mim, não.
É... acho que minha tentativa de reparação não deu muito certo...)

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Troca de Pares

Certas mudanças em nossas vidas são como sapatos.

Quando compramos um par novo, precisamos de horas para amaciá-los. A quantidade de horas que ficamos com eles no início depende diretamente da segurança que nos é proporcionada - quanto mais tempo passamos estáveis em cima do salto, mais tempo ficamos com eles. Quando menos esperamos, aquele sapato novo já não é um estranho - ele foi moldado as nossas pisadas e ficou com o formado de nossos pés.


Acontece que o tempo passa e, conforme caminhamos, a sola fica gasta. Percebemos a necessidade de nos desfazermos daquele chanel de estimação e arriscar um peep toe... ou até mesmo uma sapatilha. Abrimos mão do conhecido por um modelo novo, mais arrojado e com a cor da estação. 
Só que essa mudança, muitas vezes, não é fácil. 
Como abrir mão daquilo que já tem o formato do seu corpo e que te acompanhou durante tantos momentos? Como perder aquela segurança que demoramos tanto tempo para adquirir?


Bem... em diversas situações não conseguimos lidar com a mudança eminente. Nós compramos novas sandálias, mas acumulamos no fundo do armário os antigos scarpins na esperança de que eles voltem a ser novos ou de que nossos pés voltem a se sentir confortáveis dentro deles. 
Até que, num belo dia, resolvemos revirar nossa bagunça e encontramos aquele par que a muito tempo está guardado... e resolvemos calçá-lo mais uma vez. No início, relembramos todas as sensações boas que já vivemos juntos... mas, noite adentro, ele começa a incomodar. Subitamente nos lembramos porque  deixamos de usá-los e nos questionamos porque não o jogamos fora naquela ocasião.
Todas as boas lembranças são substituídas pela bolha no pé que ganhamos no fim da noite, que nos lembrará por algum tempo de que, embora aquele sapato já tenha feito parte de nossas vidas, hoje ele não serve mais – o modelo continua sendo lindo, mas agora só machuca. E, nessa hora, nós agradecemos pelos pares novos e percebemos que fizemos um ótimo negócio arriscando novos caminhos com um salto mais baixo.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Você senta em frente ao teclado.
Cabeça a mil, repleta de pensamentos desconexos, frases soltas e aquele aperto no peito que só será aliviado depois que tudo for colocado para fora.
Uma taça de vinho já se foi.
O pensamento frenético continua. Os dedos sobrevoam as teclas como se tivessem vida própria. Sabem as letras que buscam sem ao menos procurá-las. Aos poucos, as palavras vão sendo criadas e começam a fazer sentido... aquela vozinha que te importuna, lembrando de sua dor, começa a gritar, satisfeita com o caminho que está sendo percorrido e te estimulando a continuar.
Outra taça de vinho acabou e, agora, as lágrimas aparecem.
Já não existe um mundo a seu redor. O que existe é você e sua ferida que parece superexposta. Você e aquelas palavras que são seu fruto. É só você e você, como sempre.
Entre lágrimas, você relê o que escreveu e sente o coração leve. Embora a ferida ainda incomode, ela machuca menos, uma vez que você finalmente conseguiu expressar tudo aquilo que sente.
Com o fim da garrafa, vem a coragem para encaminhar sua obra ao destinatário final - aquele que causou a dor, aquele que coloca o dedo diariamente em sua chaga, muitas vezes, sem saber. Você tenta se acalmar, mas as lágrimas insistem em continuar caindo e lembrando de como você é fraca por não conseguir dizer tudo isso pessoalmente. De repente, toda a coragem recém-adquirida desaparece. A sobriedade toma conta de seu ser e a única coisa a qual você se permite é guardar mais esse capítulo de seu livro impublicável...